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A lenda do Bom Tejipió


          Embaixo do pé de cajá ao anoitecer, com uma lança comprida de ponta fosca triangular, cortando pelos três lados sem remorso, infligindo ao inimigo honrosamente o caminho para os verdes campos de caça, o guerreiro aguarda imóvel, em pé, os olhos escuros e frios observando qualquer mudança na paisagem.
          Depois de um dia inteiro de caça, sozinho sob o sol inclemente, o couro bronzeado de sua pele parecia coberto por óleo de amêndoas, mas era apenas suor acumulado do dia de procura paciente pelo inimigo.
          O Bom Tejipió, índio jovem da tribo dos Gnocas estava em processo de maturação para se tornar um índio operário, cacique auxiliar ou voltar a ajudar na confecção de artesanato, dependendo do desempenho apresentado na caça solitária de transição.
          Era alta madrugada, emoldurada por estrelas e tendo por testemunha uma lua cheia fenomenal, quando o Bom Tejipió, que só sentia um leve receio de lobisomens, aos outros seres, viventes ou não, ele não temia e devorava sem nenhum constrangimento, ouviu passos aterradores que faziam a terra tremer e as árvores chacoalhar a própria folhagem. Pássaros acordaram assustados debandando barulhentos; hienas sorriram nervosamente e corujas piaram agourentas.
          Tejipió agachou-se um momento, fixando o olhar na trilha ladeada por espinheiros. Encontrara um oponente à sua altura. Caso o vencesse seria aclamado pela tribo como herói valente e invencível.


        Passados alguns instantes o Bom Tejipió divisou o enorme hipopótamo furioso, a lenda destruidora de zoológicos e lanchonetes fast food.
          O Bom Tejipió não hesitou. Segurou a sua lança com firmeza e partiu em linha reta, de lança em riste, pronto para medir forças com o hipopótamo violento.
            Por três dias e três noites Tejipió engalfinhou-se na mata com o hipopótamo, numa assustadora sem dó nem piedade. Grunhidos de ambos os lados cruzavam a selva e os outros animais proibiram aos filhotes de assistir aquilo.
          A rígida lança do Bom Tejipió penetrou o couro de aço do hipopótamo diversas vezes, não poupou lugares; mas levou arranhões, mordidas e sofreu esmagamento a ponto de perder os sentidos.
          Achando que o inimigo estava fora de combate, o hipopótamo devorador afastou-se lambendo os beiços, descadeirado e com dores até psicológicas. A batalha estava concluída.
          Tejipió acordou todo ferrado quando os abutres já afiavam a faca e o garfo para jantá-lo e traficar algum órgão que porventura ainda estivesse intacto.
          Estava todo quebrado, a lança partida e fora de uso... Até um dedo, o médio, deixou na batalha, sabe-se lá onde! Mesmo assim levantou-se e, cambaleante, de cabeça baixa, lança raspando a terra, inútil, pensando na recepção que receberia na tribo. E se mudassem o seu glorioso nome de Bom Tejipió para Nove Dedos da Morte?!
          Testara os seus poderes contra o monstro faminto da selva e perdeu. Agora, apalermado caminhava pelo corredor polonês formado pela tribo, esperando ser desonrado e expulso pelo pajé e pelo cacique. No fim da caminhada silenciosa foi surpreendido. Ganhou um colar de pedrinhas, um espelho e foi convidado a virar político, candidatando-se a síndico das ocas, criar um sindicato das índias montadoras de cestos, com a promessa de criar um enorme cercado-creche para deixar os bebês índios enquanto as mães poderiam ingressar no mercado da guerra e caça. Em breve lutaria para que mulheres indígenas assumissem o poder na tribo no lugar do cacique.


    
A vida do Bom Tejipió mudou. A derrota para o feroz hipopótamo das selvas foi ignorada e a perda da lança propiciou a ascensão da minoria que usava arco e flechas.
           A vida dá voltas e as sociedades mudam da noite para o dia, dependendo da oportunidade. O Bom Tejipió que o diga.






Marcelo Gomes Melo

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